A economia da Saúde Mental
Publicado por Scio Education

Na União Europeia, cerca de 165 milhões de pessoas são afetadas a cada ano por transtornos mentais, principalmente ansiedade e transtornos por uso de substâncias. No geral, mais de 50% da população em países de média e alta renda sofrerá, pelo menos, um transtorno mental em algum momento de suas vidas.

Em 2010, transtornos mentais e uso de substâncias constituíram 10,4% da carga global de doenças e foram a principal causa de anos vividos com incapacidade entre todos os grupos de doenças. Essas consequências não se limitam aos pacientes e seu meio social – afetam toda a malha social, particularmente através dos custos econômicos.

 

Os estudos

Os autores apontam que os estudos sobre custos econômicos variam consideravelmente devido a deficiências nas definições de transtornos, populações ou amostras estudadas, fontes de custos e utilização de serviços, quadro analítico, e categorias de custo incompletas devido à falta de dados e definições.

A abordagem de capital humano, que é mais comumente usada para quantificar os custos econômicos de transtornos mentais e doenças em geral, distingue entre custos diretos e indiretos. Os custos diretos referem-se mais frequentemente aos “custos visíveis” associados ao diagnóstico e tratamento no sistema de saúde: medicação, consultas médicas, sessões de psicoterapia, hospitalização e assim por diante. Os custos indiretos referem-se aos “custos invisíveis” associados a perdas de rendimento devido a mortalidade, incapacidade e procura de cuidados, incluindo perda de produção devido à ausência no trabalho ou aposentadoria antecipada.

 

Os dados para custo direto e indireto

São necessários dois tipos de dados para calcular o custo direto e indireto de um transtorno: dados epidemiológicos sobre a prevalência do transtorno, procura de assistência médica, mortalidade associada, incapacidade e, em alguns casos, prisão; e os custos por paciente do transtorno (dados econômicos). Os dados epidemiológicos são tipicamente baseados em amostras representativas que relatam estimativas de prevalência em uma população definida, e estudos de coorte, que vinculam os resultados descritos acima. Os dados de custos são geralmente derivados de estatísticas de rotina, como o custo médio de um leito hospitalar por noite para hospitais intensivos ou psiquiátricos, que são então multiplicados com os dados epidemiológicos correspondentes.

Segundo Trautmann et al (2016), com base em dados de 2010, os custos econômicos globais diretos e indiretos dos transtornos mentais foram estimados em US$ 2,5 trilhões. É importante ressaltar que os custos indiretos (US$ 1,7 trilhão) são muito superiores aos custos diretos (US$ 0,8 trilhão), o que contrasta com outros grupos de doenças importantes, como as doenças cardiovasculares e o câncer.

 

O custo dos transtornos mentais

Do ponto de vista macroeconômico, o custo dos transtornos mentais em uma população definida pode ser quantificado como perda da produção econômica, estimando-se o impacto projetado dos transtornos mentais sobre o produto interno bruto (PIB).

Contudo, o impacto dos transtornos mentais no crescimento econômico pode ser estimado apenas indiretamente: A produção econômica perdida é calculada primeiramente com as doenças somáticas relacionadas ao número associado de anos de vida ajustados por incapacidade (AVAI)[1]. Em um segundo passo, a produção econômica perdida para transtornos mentais é projetada usando o tamanho relativo dos AVAI’s correspondentes para outras doenças.

A abordagem mais ampla usada para calcular o impacto econômico dos transtornos mentais é o método do valor da vida estatística (VVE)[2]. Esse método pressupõe que as compensações entre riscos e dinheiro podem ser usadas para quantificar o risco de incapacidade ou morte associado a transtornos mentais. Essa análise de quantificação observou compensações ou preferências hipotéticas, como dados obtidos de pesquisas que perguntam às pessoas quanto estariam dispostas a pagar para evitar um risco específico ou quanto dinheiro seriam necessários para assumir esse risco. O VVE é então calculado a partir dessas razões subjetivas de valor de risco.

Usando a abordagem VVE, a carga econômica global de transtornos mentais foi estimada em US$ 8,5 trilhões em 2010.

Em suma, os transtornos mentais causam enormes custos econômicos, diretamente, por meio de custos relativamente baixos no sistema de saúde, e indiretamente, via perdas de produtividade proporcionalmente altas e impacto no crescimento econômico.

 

Medidas de diagnósticos

Os autores corroboram que se deve reconhecer que o desenvolvimento e a implementação de medidas de diagnóstico e tratamento sólidas e eficazes para a saúde mental ainda são relativamente novas. Muitos tratamentos e intervenções baseados em evidências só se tornaram disponíveis nos últimos 30 anos. Assim, a capacitação pessoal, infraestrutura e outros recursos ainda estão muito atrás de outras áreas de doenças.

Além disso, os autores especularam que a estigmatização e os equívocos de transtornos mentais e perturbações aditivas parecem desempenhar um papel importante. Não são apenas os leigos que parecem acreditar que os transtornos mentais e o uso de substâncias não são “doenças reais”, que não podem ser tratados de forma eficaz e que as pessoas afetadas são, pelo menos, parcialmente responsáveis. Como consequência, as sociedades estão dispostas a gastar muito mais em doenças somáticas do que em transtornos mentais, muito embora tanto a deficiência quanto os custos econômicos sejam tão altos quanto aqueles causados por condições somáticas.

As decisões de financiamento em muitas sociedades ainda são baseadas na mortalidade e na expectativa de vida, e embora os distúrbios mentais indiretamente contribuam para um alto nível de mortalidade, eles raramente aparecem nos atestados de óbito. Finalmente, não parece haver conhecimento de que os transtornos mentais contribuem desproporcionalmente para os chamados usuários de alto custo no sistema de saúde.

Por essas razões, sem reconsiderar o custo dos transtornos mentais, o custo-benefício do tratamento e das intervenções preventivas, e a necessidade de uma mudança abrangente na estigmatização, o atual subfinanciamento do cuidado em saúde mental provavelmente persista.

A sociedade, os políticos e as partes interessadas devem ser consistentes e persistentemente informados sobre o verdadeiro ônus dos transtornos mentais, incluindo o fardo individual e toda a gama de custos econômicos potenciais, mas também sobre a eficácia, a viabilidade e a acessibilidade das medidas para reduzir esse ônus. Por fim, os autores acrescentam que, se continuarem a tomar essas ações, a sociedade estará mais disposta a aceitar que gastar dinheiro para prevenir e tratar transtornos mentais é um investimento sustentável.

 

[1] Disability-adjusted life years (DALYs) – tradução livre

[2] Value os statistical live (VSL) – tradução livre

 

Autores: TRAUTMANN, S. et al